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17 junho 2011

Nicodemos (O entrevistador noturno)


Ele era um dos homens mais ricos da sua terra. Talvez a quinta fortuna dos seus dias. Era um vencedor. Pertencia à seita dos fariseus, portanto, à elite judaica.

Ao tempo de Jesus, deveriam existir uns 6.000 fariseus e ele era um dos principais entre os judeus e considerado mestre em Israel.

Seu nome significa aquele que vence as pessoas: Nicodemos. Existem três registros à sua pessoa, todos no quarto Evangelho.

O primeiro se encontra nos apontamentos de João 3,1-21 e narra o seu encontro noturno com Jesus.

Os tempos eram difíceis e a Judéia respirava intranqüilidade. Nicodemos pede uma entrevista a Jesus e vai ao Seu encontro, altas horas da noite.

Esgueira-se pelas colunas, anda pelas ruas olhando para trás, com medo de estar sendo seguido.

Enquanto, normalmente, os que andam à noite, pela cidade de Jerusalém, portem archotes com resina para iluminar o caminho, ele teme ser identificado, reconhecido e anda às escuras.

Desde que ouvira referências ao Homem de Nazaré começara se inquietar. Algo lhe dizia que deveria ouvi-Lo, conhecê-Lo. No entanto, como poderia, sem se expor?

Jesus se hospeda em casa de amigos, fora dos muros da cidade. Na varanda, na noite de primavera, aguarda. Três pancadas se ouvem. João, que O acompanha, se ergue e recebe o que chega.

Na véspera, ocorrera o episódio de Jesus exortar aos mercadores do Templo, dizendo-lhes de que haviam transformado a Casa do Pai em uma casa de vendas.

O fato andava de boca em boca, naturalmente, por muitos acrescido de detalhes nem ocorridos. De toda forma, a política na Judéia era complicada e os ouvidos da espionagem se multiplicavam por todos os recantos de Jerusalém.

Por conhecer o que havia na alma do homem que lhe solicitara a secreta entrevista, Jesus concordara em recebê-lo. Um encontro em casa de alguém que não levantaria suspeitas. Uma ida altas horas da noite.

A Luz do Mundo fala ao intelecto e ao inquieto coração de Nicodemos. O "nascer de novo" mais lhe suscita inquirições. Não que desconhecesse a lei judaica dos renascimentos, deseja antes entender o verdadeiro processo.

"O que é nascido da carne é carne, e o que é nascido do Espírito é espírito. Não te maravilhes de ter eu dito: necessário é nascer de novo. O espírito sopra onde quer e ouves a sua voz, mas não sabes de onde vem, nem para onde vai; assim é tudo aquilo que é nascido do Espírito."

Jesus vai além das indagações do doutor da Lei e lhe confia algo acerca do futuro próximo. Nicodemos não é um discípulo, nem parente. Mas é a ele que Jesus revela Seu destino sobre a Terra, pela primeira vez.

Era o início do Seu ministério, Sua primeira viagem a Jerusalém: "Ninguém subiu ao céu a não ser o Filho do homem, ele, que desceu do céu. Do mesmo modo que Moisés elevou a serpente no deserto, assim deve ser elevado também o Filho do homem, para que todo o homem que nele crer não pereça, mas tenha a vida eterna."


Quando a madrugada se tingia de escarlate, o Mestre e o amigo se despediram.

O segundo momento em que Nicodemos é citado é em João 7, 37ss. Jesus fora assistir às cerimônias litúrgicas, no meio do povo.

No último dia da festa dos Tabernáculos, Ele viu o sacerdote, por entre o som das trombetas, colher água, em um vaso de ouro, na fonte de Siloé, tornar a subir a montanha e derramá-la sobre o altar dos holocaustos.

Finda a cerimônia, o povo ainda no átrio do Templo, Jesus, do alto da escada semicircular de 15 degraus, bradou:


"Quem tiver sede venha a mim e beba! Quem crer em mim, brotar-lhe-ão do interior torrentes de águas vivas."

A explanação que o Mestre deu a seguir impressionou o povo e inquietou os sacerdotes. Emissários foram despachados para O prender, mas ninguém O ousou tocar.

Retornaram de mãos vazias. O Sinédrio reunido discute. Não é somente a plebe ignorante que aplaude Jesus. Muitos personagens ilustres O seguem.

Nicodemos recorda seu colóquio noturno com Ele e O defende com desassombro:


"Acaso a nossa lei condena um homem sem primeiro o ouvir e inquirir o que fez?"

Tal defesa lhe valeu a acusação de galileu, o que era sinônimo de discípulo do Nazareno.Sofismando, as vozes exaltadas afirmam que da Galiléia não pode vir profeta algum. O Nazareno é um impostor. Estavam tão enceguecidos pela paixão, que esqueciam que eram filhos da Galiléia os profetas Jonas e Nahum.

A assembléia discutiu muito e acabou por se dissolver, sem nada resolver, afirma o historiador evangélico.

Quantas outras vezes terá Nicodemos defendido Jesus, sem que houvesse registros, porque ele, pela sua humildade, não o revelou a ninguém?

Mas João não o esqueceria. Ser-lhe-ia eternamente grato por sua atitude corajosa, ao se concretizar a morte de Jesus.

E o menciona como aquele que auxiliou José de Arimatéia a conceder sepultamento digno ao corpo do Mestre. Diligenciou a retirada do corpo da cruz, auxiliou a embalsamar o corpo, rapidamente, face ao sábado judaico que logo se iniciaria.

Sua derradeira homenagem foi comprar 100 libras de essências odoríferas e um grande lençol de linho precioso para envolver o corpo.

As anotações evangélicas não vão além. Esteve Nicodemos no Sinédrio, na tenebrosa noite do julgamento do Senhor das estrelas? Se presente, terá sido sua voz a única a se erguer em favor do acusado?

De toda forma, Nicodemos se mostrou amigo Daquele de quem recebeu não somente esclarecimentos, mas confiança na célebre entrevista noturna.

E justiça lhe seja feita, se num primeiro momento foi ouvi-Lo às ocultas, teve a ousadia de defendê-Lo perante os demais membros do Sinédrio. E muita coragem para se expor, providenciando-Lhe a sepultura.

É de nos perguntarmos se não terá ele sofrido represálias do Sinédrio, perseguições, demissão do seu cargo, como conseqüência do seu gesto.

Era sim, um amigo fiel do Mestre de Nazaré.


Matéria publicada no Jornal Mundo Espírita - junho/2005

Bibliografia:
01. FRANCO, Divaldo Pereira. Nicodemos, o amigo. In:___. As primícias do reino. Pelo espírito Amélia Rodrigues. Rio [de Janeiro]: SABEDORIA, 1967.
02. ROHDEN, Huberto. A sepultura de Jesus. In:___. Jesus nazareno. 6. ed. São Paulo: UNIÃO CULTURAL. v. II, nº 190.
03.________. Último dia da festa dos tabernáculos. Op. cit. v. II, nº 91.
04.SALGADO, Plínio. O amigo. In:___. Vida de Jesus. 21. ed. São Paulo: Voz do Oeste, 1978. cap. 21.
05.VAN DER OSTEN, A . Nicodemos. In:___. Dicionário enciclopédico da bíblia. 3. ed. Petrópolis: Vozes, 1985

JERUSALÉM E JERICÓ

A parábola do bom samaritano é bem conhecida do mundo cristão.

Jesus a utilizou para ensinar grandes verdades.

Diz o mestre que um homem descia de Jerusalém para Jericó e foi assaltado no meio do caminho.

Jesus se refere a um homem. Não diz se era nobre ou plebeu, se era rico ou pobre, diz somente que era um homem. Poderia ter dito que um homem ia, se dirigia, rumava de Jerusalém para Jericó, mas ele usa o verbo descia, a fim de passar um ensinamento.

Outro detalhe importante está nas cidades a que Jesus se refere: Jerusalém e Jericó. Ele poderia ter dito que um homem transitava pela estrada, ia de uma cidade a outra, caminhava entre duas cidades, mas ele cita o nome dessas cidades.

E aqui vale uma rápida consideração sobre as duas cidades. A cidade de Jerusalém representava as coisas espirituais, as coisas de Deus, era a sede do templo de Salomão. Jericó era um grande polo comercial, a cidade das trocas de mercadorias, do ouro, da usurpação. Representava as coisas do mundo.

Jerusalém significa as coisas do alto, Jericó as baixadas.

O grande ensinamento contido nessa parábola está expresso no verbo que Jesus utilizou e nas duas cidades.

Dizer que o homem descia de Jerusalém significa dizer que ele deixava os interesses espirituais para cuidar das coisas do mundo, dos interesses materiais.

E quando abandonamos a posição Jerusalém para viver a posição Jericó, estamos sujeitos a assaltos, quedas, ferimentos, dores.

Quantos pais de família honrados, fiéis, que de uma hora para outra resolvem buscar uma aventura fora do lar. Deixam sua posição Jerusalém para mergulhar na posição Jericó e são assaltados por terríveis reveses.

O comerciante honesto, que luta com dificuldades mas com dignidade e que de repente resolve enganar seus clientes, tirando um pouco no peso, nas medidas, na qualidade do produto.

Funcionários que trabalharam anos a fio com dignidade e que um dia resolvem aceitar o convite da desonra, caem nas armadilhas da corrupção, e sofrem os assaltos da intranqüilidade e da vergonha.

Políticos que se mantém com o dinheiro suado do trabalho abençoado e um dia se deixam enredar pelas teias dos interesses egoístas e despencam vertiginosamente para as baixadas infelizes, sofrendo assaltos de toda ordem.

Todos aqueles que descem da posição Jerusalém para a posição Jericó sofrem os tormentos na própria alma.

A posição Jerusalém não traz resultados imediatos, mas traz a paz da consciência tranqüila. A possibilidade de conciliar o sono, de andar com a cabeça erguida.

A posição Jericó geralmente vem acompanhada de aplausos interesseiros, de glórias efêmeras, de bajulação hipócrita.

A primeira é perene, duradoura, eterna. A segunda é passageira como as flores de um dia.

Paulo o grande apóstolo dos gentios, depois do contato com o mestre de Nazaré às portas de damasco, jamais abandonou os valores espirituais, jamais desceu da posição Jerusalém para as baixadas das coisas do mundo, da posição Jericó.

Sua caminhada foi áspera e muitas foram as renúncias, mas ele fez a viagem definitiva rumo às paragens celestes com a alma envolta em luz.

Seu rastro perfumado perdura até os dias de hoje, como um convite de amor para quem deseja conquistar a felicidade eterna.

***

Um dia, o amor vestiu-se de homem e andou sobre a Terra.

Ensinou as verdades da vida numa linguagem simples e ao mesmo tempo profunda.

Revestiu os ensinamentos com parábolas de grande sabedoria.

E falou com ternura: "eu sou o caminho da verdadeira vida".

E convidou-nos como um irmão maior: "quem quiser vir após mim, tome de sua cruz, negue-se a si mesmo e siga-me".

(Baseado em palestra proferida por Raul Teixeira no dia 31/12/99 na SEF-RJ)