O impulso de vida, que ele chamou
de impulso de Eros, é aquele em que trabalhamos tudo que é bom, tudo
que é para cima, tudo que é pró-vida, alegria, o trabalho, o entusiasmo, a
amizade, a família. Tudo isso que faz a vida crescer, é chamado por
Freud, impulso de vida.
Mas ele também chamou de impulso de
morte aquelas pulsões em que nós apelamos para o desânimo, para a
depressão, para o desalento, para a inimizade, para a calúnia. Tudo aquilo que
faz a vida cair, tudo aquilo que faz a vida depreciada.
Dentro desse impulso de morte, que um de
seus discípulos chamou de impulso tanatológico, nós encontramos o
ódio.
O ódio é dessas forças terríveis que vão maculando
a criatura, que vão destruindo o indivíduo e certamente
infelicitando-o.
O ódio tem mil efeitos, cada um deles pior que o
outro.
Quando pensamos nos efeitos do vago-simpático que o
ódio provoca, a acidez, a diarréia, o desânimo; quando imaginamos a hipertensão,
quando pensamos na depressão, na inapetência, todos esses elementos são
provocados pelo ódio.
É uma força destrutiva por excelência, e quando
começa, como uma caudal, ela não se detém. Essa força não pára se o detentor do
ódio, aquele que está alimentando o ódio, não cair numa realidade
expressivamente positiva de que essa força ou essa energia negativa que ele
impulsiona, que ele conduz, não tiver termo.
É preciso então que pensemos que o ódio, antes de
destruir a qualquer pessoa, de ser dirigido a qualquer coisa, ele primeiramente
tenta e consegue desarticular o seu portador.
Portar o ódio é como carregar lixo na alma. Por
isso, vale a pena pensar que essa força descontrolada, descompensada, essa força
desnorteada em que o ódio se traduz, serve apenas para nos fazer morrer sempre
um pouco mais.
Vale a pena pensar no que é que faz com que esse
ódio apareça na nossa vida.
Afirmam os seres que guiam a Humanidade, que o ódio
é o amor que enlouqueceu. Sim, o ódio é o amor que adoeceu, porque a mesma
energia que nós usávamos para construir, agora utilizamos para destruir. A mesma
criatura sobre quem dirigíamos o olhar de ternura, agora dirigimos um olhar
furioso, um espectro furibundo que parte de nossa intimidade na direção do
opositor.
Vale a pena pensar que não tem sentido, depois de
dois milênios da visita de Jesus a Terra e que nos propôs amar os próprios
inimigos, orar por aqueles que nos perseguem e caluniam, não há sentido
alimentar a força fragmentária do ódio que só faz mal a nós.
Por momento, poderemos prejudicar a alguém, causar
infelicidade a alguém, entristecer alguém, através da calúnia, da maledicência
ou de qualquer outra providência nefasta.
Mas, fundamentalmente, no fundo do vaso de nossa
alma, ficam as borras criadas pelo ódio.
* * *
O ódio em si mesmo provoca apenas sofrimento. Toda
pessoa que odeia é uma pessoa que sofre.
Impossível se imaginar que alguém capaz de odiar
possa ser feliz.
É claro que as pessoas interpretam, encenam e
muitas vezes não sabem que os problemas que passam a viver em suas vidas, estão
atrelados a essa carga de ódio que desferem contra terceiros.
É muito comum que os indivíduos tenham ódio em
função de variadas circunstâncias.
São muitos os fenômenos do cotidiano que incitam o
indivíduo a sentir ódio, a sentir essa expressão negativa do caráter, que é
eminentemente destrutiva.
Uma das faces do ódio, já que ele tem
diversificadas faces, é o desprezo.
Quando sentimos desprezo por alguém ou por alguma
coisa, a alma age como se esse alguém ou se essa coisa não
existissem.
Como o odiento imagina que essa criatura seja-lhe
inferior, não merece o seu olhar, não merece a sua atenção, não merece que ela
lhe dirija a palavra, vai cortando, vai bloqueando todas as ações de contato,
todos os movimentos de acesso. E isso vai caracterizando o desprezo. Deixar de
prezar alguma coisa, deixar de considerar alguma coisa.
E quando nós desprezamos alguém, em realidade,
estamos muito infelizes. Porque tudo quanto gostaríamos, lá no fundo do ser, era
a possibilidade de ser amigo de todo mundo, de receber o aplauso de todo mundo,
de ser gostado pelas pessoas, de ter acesso fácil em todo lugar, de onde
chegarmos as pessoas nos tratarem com alegria, com entusiasmo, com
amizade.
Mas quando desprezamos, nos isolamos, nos fechamos,
nos entrincheiramos e gradualmente vamos sentindo que as outras pessoas odiadas
por nós, desprezadas por nós, continuam vivendo. E, para o indivíduo que odeia,
isso é terrível.
Toda criatura que odeia gostaria que o objeto de
seu ódio fosse infeliz, se tornasse infeliz. Que pudesse uma hora dele precisar,
e ele poder descarregar toda a carga do seu desprezo.
Felizmente, isso não ocorre. As pessoas odiadas
continuam vivendo suas vidas, porque elas só têm responsabilidades para com
Deus.
Daí então, o desprezo desqualifica o odiento,
atormenta-o cada vez mais e aumenta a sua infelicidade. E o odiento
sofre.
Mas, uma outra faceta do ódio, tanto ou mais
terrível quanto o desprezo, é o desejo de vingança. Sim, o odiento não se
conforma em apenas desprezar. Deseja, em muitos momentos, fazer justiça com as
próprias mãos.
Fulano me fez isso, há de pagar!
Se existe um Deus no céu, Fulano há de pagar o que
me fez!
Então nós misturamos o nosso ódio com a idéia de
Deus. Como se Deus estivesse ao lado de nosso desequilíbrio. Como se Deus
estivesse aplaudindo nosso desregramento moral e por isto nós
dizemos:
Eu não me vingo, mas Deus me vingará!
Quer dizer, se nós não nos vingamos, é porque já
entendemos que isso não se faz, mas Deus, Ele que é o Autor do Universo, a
Inteligência Suprema da vida, Ele se vingará em nosso nome.
Vejamos que isso não passa de uma brutal
infantilidade. Nós somos ainda criaturas muito infantis em termos espirituais e
imaginamos que o nosso impulso de vindita, de vingança, vai nos fazer mais
felizes.
A vingança chega a termos inimagináveis. Desde a
calúnia movida pela maledicência, em que nós jogamos pessoas contra outras
pessoas, destilamos o veneno contra os outros, até o homicídio, até o
suicídio.
Sim, Freud estabelece que todas as pessoas que se
matam são capazes de matar.
Muita gente se mata na impossibilidade de matar o
objeto de seu ódio. E se mata para culpar o outro, para culpar a
sociedade.
Alguns têm o desplante de deixar cartas, bilhetes,
incriminando terceiras criaturas, por conta do seu suicídio.
Vemos que na hora final, quando ela se desbraga e
sai do corpo, mesmo assim, o impulso negativo da alma infantilizada, do espírito
infeliz, ainda se mostra forte.
Desse modo, a melhor forma de evitarmos essa onda
de ódio que nos avassala é o amor. O amor que começa pela compreensão, a
indulgência.
Por que as pessoas erraram contra mim?
Porventura, não terei eu dado motivos
independentemente do que aquele aborrecimento nos causou?
Será válido pensar nas razões que levaram alguém a
falar contra mim, a falar de mim.
É importantíssimo deixar que o amor tome conta de
nós, que o amor luarize nossas consciências, e como o ódio é o amor que
enlouqueceu, vale a pena vacinar sempre o amor com esse remédio do trabalho, do
relacionamento feliz, para que ele nunca adoeça, com esse remédio da confiança,
do trabalho conjunto, da autodoação para que o amor nunca adoeça, sempre
admitindo que as pessoas têm direito de se equivocar como nós.E, por causa disso, ao invés de ódio, vale a pena o
amor, até porque, segundo o Evangelista, Deus é amor.
Transcrição do
Programa Vida e Valores, de número 108, apresentado por Raul Teixeira, sob
coordenação da Federação Espírita do Paraná. Programa gravado em agosto de 2007.
Exibido pela NET, Canal 20, Curitiba, no dia 22 de junho de 2008.
Em
21.08.2008.
Colaborador: Júnior Madruga